Jugar el juego de las formas, Anthony Browne
Fondo de Cultura Económica Chile, 2011

Estou apaixonada pela obra do escritor e ilustrador Anthony Browne. Acabo de descobri-la através de sua (auto)biografia ilustrada "Jugar el juego de las formas" (ainda não publicado em português), escrita por ele em parceria com seu filho Joe Browne.

No livro o britânico Anthony Browne (1946) conta toda sua trajetória de vida, misturando fatos da sua vida pessoal com profissional em uma narrativa envolvente. Tanto suas narrativas como suas ilustrações estão cheias de humor, ironia, surrealismo e engenho. Seu libro está repleto de histórias divertidas de um eterno menino e boas reflexões de um homem maduro e crítico. 

O título do livro "Jugar el juego de las formas" (2011) vem do seu jogo preferido da infância, que de acordo com Browne "é um jogo que jogamos todos, e talvez no se chame assim, mas é tão simples como partir de uma forma qualquer e lhe adicionar alguns detalhes extraordinários, então a imagem muda do mais representativo a algo estranho, onírico e interessante...e bem, o desenho é um exemplo avançado disto..."

Anthony Browne, caminando al lado de su personaje Willy, o tímido (1991)

Browne antes de se tornar ilustrador de livro estudou Desenho Gráfico na Universidade de Leeds, foi ilustrador de livros de medicina e criador de cartões para a Galeria Gordon Fraser, até que na década de 70 depois de várias entrevistas com editoriais consegue ser contratado pela Hamish Hamilton e começa a trabalhar com a editora Julia MacRae, com quem compartilhará um largo caminho de trabalho e colaboração.


AS AULAS DE ARTE: "Minha matéria favorita na escola era arte. Quando nos permitiam desenhar no nosso próprio estilo, encontrava-se em meu lugar, porém isso sucedia em raras ocasiões; e houve algumas, inclusive nos meu primeiros anos, nas quais percebi certo ressentimento na forma em que se ensinava a matéria. Existe uma tendência comum entre os professores de arte, em todos os níveis, de ensinar os estudantes a trabalhar da mesma forma que eles. Meu professor de arte da escola pintava paisagens semi-abstratos com um pincel de quatro polegadas, e meu estilo cuidadoso, realista e ilustrativo, parecia a ele censurável. Em uma ocasião, inclusive, me colocou no final da classe por causa do meu estilo."



King Kong, 2006
OS GORILAS:  "A pergunta que mais frequente é 'porque desenhas tantos gorilas' e não tenho uma só resposta. Em primeiro lugar poderia dizer que é pelo simples fato de que me fascinam... passei horas em diferentes zoológicos diante deles e de seu olhar maravilhoso. Se olhamos fixos para eles é como se dentro do olhar houvesse outro ser humano, e a semelhança que há entre nós me estimula. Em segundo lugar, eu gosto muito mais de ilustrar idosos do que jovens, pelas texturas que se conseguem, porém ao mesmo tempo, desenhar gorilas é duplamente prazeroso, porque a esses contornos de pele, soma-se suas rugas, vultos, músculos, pelos... tudo é irresistível para o lápis. Em terceiro lugar, me recordam muito meu pai, que era grande e forte, tinha um lado agressivo que mostrava, por exemplo, na quadra de rugby, e outro altamente suave e lúdico, por exemplo, se passava horas desenhando junto a mim e a meu irmão. Talvez o que mais me apaixona dos gorilas é essa mistura de força e doçura, mas sobretudo, como cuidam da sua família... e por último, uma resposta que me deu um garoto quando me disse que na realidade os gorilas são parecidos aos meus contos... parecem normais mas não são... então o garoto explicou-se o que em outras palavras seria surrealismo, como se cada gorila fosse a versão melhorada ou distanciada de nós mesmos."


OS ZOOLÓGICOS: "Os zoológicos sempre me pareceram fascinantes: me atraem e me repelem em igual medida. Adoro ver os animais e sei que algumas espécies em perigo de extinção estão protegidas neles, mas me incomoda a ideia de tirar os animais de seu habitat natural, colocar-los em jaulas e exibir-los.


A INDÚSTRIA ATUAL: "Tenho a esperança de continuar fazendo livros ilustrados enquanto seja possível. Supondo que a idade me impedisse, a única outra ameaça potencial que percebo são as que concernem aos livros ilustrados: preocupo-me com a indústria e por várias razões. Recortes nos orçamentos de bibliotecas, limitações nos inventários de livros impostos pelas livrarias, a ameaça dos livros eletrônicos, os videogames, a televisão e os DVDs... além da evidente queda de popularidade dos livros ilustrados entre os pais. Sim, todas essas coisas me preocupam."  

Gorila, 1991
A INSPIRAÇÃO: "Apesar do orgulho que tenho de meus livros, as maiores satisfações que tenho são os meus filhos. A alegria, o prazer e a inspiração que me deram Joe e Ellen é incomparável, e ser pai é mais importante que ser escritor e ilustrador. É um clichê certo esse de que ter filhos muda tudo, e não posso medir como melhorou a minha vida desde que eles fazem parte dela. E por suposto que isso se traduz também no meu trabalho, porque ser pai permitiu-me ver de em primeira mão que sensíveis, inteligentes e curiosas são as mentes das crianças. Antes quando criava meus livros apoiava-me sobretudo nas minas próprias experiências da infância e nas respostas das crianças com os quais falava nas escolas, no entanto, ver crecer os meus próprios filhos me fez experimentar a infância por uma segunda vez."

Alice's adventures in Wonderland, 1988

OS LIVROS ILUSTRADOS: "Tenho a firme convicção de que os livros ilustrados são especiais. As vezes ouço pais tratando de convencer seus filhos que leiam livros 'de verdade' -ou seja, livros sem ilustrações- e cada vez mais cedo. Isso me causa tristeza, porque os livros ilustrados são perfeitos para compartilhar, e não só com os mais pequenos. Como pai, entendo a importância do vínculo que se forma ao ler e comentar um livro com a criança.  Creio que os melhores livros ilustrados abrem um espaço entre as imagens e textos, e esse espaço é preenchido pela imaginação do leitor, que assim contribue ativamente na emoção da leitura. Os livros ilustrados são para todos, a qualquer idade, não são livros para descartar quando um envelhece. As imagens dos livros ilustrados contém pistas narrativas, dizem ao leitor o que pensam os personagens ou quais são suas emoções, ao ler estas pistas obtém-se uma profunda compreensão da história."

Anthony Browne desenhando.
O DESENHO:  "Nunca pude parar de desenhar, e vai além de um ofício ou trabalho... mesmo que tivesse que deixar de desenhar por algum motivo, não poderia evita-lo como um prazer. 'O jogo das formas' é o vínculo que une minha vida com o trabalho. O que começou como um passatempo trivial, inventado para divertir as tardes chuvosas, transformou-se em meu núcleo vital: quando não estou desenhando sobre papel, estou desenhando na minha cabeça, jogo acordado e jogo dormindo. Podia ter ficado louco, mas não... Ao envelhecer, desde logo, meu corpo jogará o jogo das formas consigo mesmo, tomará sua forma atual e a distorcionará até tornar-la de un idoso, talvez minha mente também mude; as coisas podem se tornar mais confusas e talvez perca a capacidade de diferenciar entre o que é real e o que é produto do jogo... no entanto, estou seguro de que continuarei jogando pelo resto da minha vida. E isto me parece genial!"

*Infelizmente ainda são poucos os livros ilustrados de Anthony Browne traduzidos ao português do Brasil, os que encontrei foram:
Willy, o mágico (Martins Fontes, 1997)
Willy e Hugo (Martins Fontes, 1997)

Temos que pressionar as editoras para que a obra desse espetacular autor chegue às nossas crianças, jovens e adultos.

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